Para muitas pessoas com TDAH ou ansiedade, reuniões no trabalho podem ser mais do que um simples compromisso na agenda — podem se transformar em verdadeiros gatilhos de estresse. A necessidade de manter o foco, processar informações em tempo real, se comunicar com clareza e ainda lidar com a exposição social faz dessas situações um terreno desafiador e, por vezes, esgotante.
No ambiente profissional, onde as decisões importantes são frequentemente tomadas em grupo, saber participar de reuniões de forma funcional é uma habilidade essencial. Ignorar esse desafio não é uma opção, especialmente quando ele impacta diretamente sua produtividade, seu bem-estar emocional e até sua imagem dentro da equipe.
A boa notícia? Existem estratégias simples, realistas e que funcionam na prática — mesmo para quem tem um cérebro acelerado, disperso ou facilmente sobrecarregado.
Neste artigo, você vai descobrir técnicas práticas para se preparar, se autorregular durante a reunião e se organizar depois, sem precisar fingir que está tudo bem ou forçar um desempenho que não respeita seu jeito de funcionar.
Vamos juntos transformar as reuniões de fonte de ansiedade em espaço de expressão com mais foco, presença e segurança.
Por que reuniões são gatilhos de ansiedade para quem tem TDAH
Se você sente um aperto no peito só de ver uma reunião marcada no calendário, saiba: você não está sozinho. Para adultos com TDAH, o ambiente das reuniões concentra diversos elementos que ativam a ansiedade, dificultam o processamento e tornam a experiência mais desgastante do que produtiva.
Sobrecarga sensorial
Reuniões — principalmente presenciais — envolvem múltiplos estímulos ao mesmo tempo: pessoas conversando, interrupções, barulhos de fundo, luzes artificiais, projeções de tela, movimentos ao redor. Para um cérebro com TDAH, que já tem dificuldade natural em filtrar o que é relevante, esse excesso de estímulos pode gerar confusão mental, irritabilidade e esgotamento precoce.
Pressão para manter a atenção e responder rápido
Enquanto todos parecem acompanhar com naturalidade, quem tem TDAH muitas vezes trava numa luta interna para manter a atenção, captar informações e ainda encontrar uma forma coerente de se expressar. A pressão por respostas imediatas ou intervenções “no tempo certo” pode intensificar a ansiedade e fazer com que o cérebro trave, gerando silêncios desconfortáveis ou comentários que soam fora de contexto.
Medo de esquecer o que foi dito ou parecer “desligado”
A memória de trabalho — responsável por manter e manipular informações por curtos períodos — costuma ser um ponto vulnerável no TDAH. Isso faz com que a pessoa se preocupe constantemente em esquecer instruções, confundir informações ou perder um detalhe importante. Esse medo muitas vezes impede a presença plena, já que a mente está ocupada tentando “segurar” tudo ao mesmo tempo.
Exposição social e julgamento
Reuniões são também eventos sociais: você está sendo observado, precisa se comunicar, demonstrar atenção, parecer engajado. Para quem convive com inseguranças relacionadas ao TDAH, esse tipo de exposição pode alimentar o medo de parecer incompetente, “distraído demais” ou até “preguiçoso”. Isso não só eleva o nível de ansiedade, como pode criar um ciclo de autocrítica e retraimento nas próximas interações.
Essa compreensão dos gatilhos é o primeiro passo. A boa notícia é que, com ajustes simples e estratégias bem escolhidas, é possível reduzir significativamente o impacto desses fatores e participar de reuniões com mais confiança e clareza. E é exatamente isso que veremos a seguir.
Antes da reunião: preparação que reduz 70% da ansiedade
Grande parte da ansiedade vivida por adultos com TDAH em reuniões vem da sensação de imprevisibilidade. Quando não sabemos o que esperar, o cérebro entra em estado de alerta constante. Por isso, uma preparação simples e estratégica pode reduzir até 70% da ansiedade, oferecendo mais segurança, clareza e autonomia antes mesmo de a reunião começar.
1. Revise o objetivo da reunião com antecedência
Pode parecer óbvio, mas é comum entrar em reuniões sem saber exatamente qual é a pauta. Quando você entende o propósito — tomar decisões, alinhar tarefas, apresentar resultados —, o cérebro ganha um “filtro” para identificar o que merece atenção. Pergunte, se necessário: “Qual é o foco da reunião?” Isso reduz a sensação de estar perdido no meio da conversa.
2. Crie uma lista de perguntas ou tópicos que você quer tratar
Ter clareza sobre o que você deseja ou precisa falar evita que ideias se percam no meio da conversa. Escreva em tópicos curtos, objetivos. Isso funciona como um guia durante a reunião, ajuda a manter o foco e garante que suas contribuições não sejam esquecidas — mesmo se a conversa mudar de direção.
3. Use um mapa mental para organizar ideias-chave
Mapas mentais são ótimos aliados do cérebro com TDAH, pois permitem visualizar a informação de forma não linear e mais intuitiva. Se o tema da reunião envolve múltiplos pontos, use um mapa mental para organizar os assuntos por tópicos e subtemas. Você pode usar papel ou apps como MindMeister, Milanote ou XMind.
4. Informe-se sobre os participantes e temas (evita surpresas)
Saber quem estará presente e qual será o tom da reunião (formal, brainstorming, decisão final) ajuda a calibrar suas expectativas e seu nível de preparação. Surpresas sociais ou profissionais são um grande gatilho para a ansiedade em quem tem TDAH — quanto mais previsível for o cenário, mais fácil será sua regulação emocional e cognitiva.
5. Tenha um “kit de apoio”: água, fones, bloco de anotações ou app confiável
Prepare um pequeno conjunto de itens que ajudam você a manter a atenção e o conforto durante a reunião. Pode ser uma garrafinha de água, fones com cancelamento de ruído, uma caneta que você gosta ou um app de anotações confiável (como Notion, Obsidian ou Google Keep). Esses pequenos recursos funcionam como “âncoras de segurança”, trazendo mais estabilidade ao seu sistema nervoso.
A preparação não precisa ser complexa — ela só precisa ser intencional. Criar um pré-ritual para reuniões é como treinar o cérebro a entrar em um estado mais calmo e funcional, mesmo diante de situações que antes eram ansiogênicas.
Na próxima seção, vamos abordar o que fazer durante a reunião para manter o foco e se autorregular em tempo real.
Durante a reunião: estratégias de autorregulação em tempo real
Mesmo com a melhor preparação, é durante a reunião que muitos adultos com TDAH enfrentam o verdadeiro teste de foco e regulação emocional. O ambiente exige atenção sustentada, resposta rápida e leitura social — tudo ao mesmo tempo. Felizmente, existem estratégias simples e eficazes para manter a calma, a presença e a funcionalidade em tempo real, mesmo em reuniões desafiadoras.
1. Técnica da “atenção flutuante”: foque no que é relevante, não em tudo
Tentar absorver cada palavra dita em uma reunião é uma receita para o esgotamento mental — especialmente para quem tem TDAH. A técnica da atenção flutuante consiste em permitir que sua mente “surfe” pela conversa, identificando apenas os pontos mais relevantes para você. Assim, você economiza energia cognitiva e evita a frustração de se perder em detalhes irrelevantes. Dica prática: pergunte mentalmente “isso me impacta diretamente?” antes de se forçar a prestar atenção total.
2. Respiração 4-4-4 (inspira 4s, segura 4s, solta 4s) para acalmar corpo e mente
Ansiedade em reuniões não é só mental — ela afeta o corpo: batimentos acelerados, respiração curta, tensão nos ombros. Praticar a respiração 4-4-4 (inspire por 4 segundos, segure por 4, solte por 4) ajuda a ativar o sistema nervoso parassimpático, responsável pelo relaxamento. Você pode fazer isso de forma discreta, sem que ninguém perceba. Basta 1 ou 2 ciclos para sentir diferença.
3. Anote palavras-chave, não frases inteiras
A tentativa de registrar tudo que é dito pode aumentar o estresse e fazer com que você perca o fio da reunião. Em vez disso, anote apenas palavras-chave ou verbos de ação. Isso te mantém engajado sem sobrecarregar sua memória de trabalho. Use marcadores, setas ou códigos visuais para identificar tarefas, decisões ou perguntas pendentes.
4. Se perder o fio, peça uma recapitulação com naturalidade
Todo mundo se distrai às vezes — não é um problema exclusivo de quem tem TDAH. Se você perceber que perdeu um trecho importante da reunião, não se culpe. Espere um momento apropriado e diga algo simples como: “Desculpa, perdi uma parte, você pode repetir esse ponto?” Demonstrar interesse é mais valorizado do que fingir que entendeu tudo. Além disso, isso mostra presença e responsabilidade.
5. Use gestos simples para manter presença (ex: toque no pulso, rotação de caneta)
Manter uma “âncora física” durante a reunião pode ajudar a trazer sua atenção de volta ao momento presente. Pequenos gestos como girar uma caneta entre os dedos, pressionar levemente o próprio pulso ou apoiar os pés firmemente no chão funcionam como lembretes físicos de presença. São formas de autorregulação que podem ser feitas discretamente e reduzem o risco de dispersão excessiva.
Participar de reuniões sem ansiedade não é sobre perfeição — é sobre criar condições para que seu cérebro funcione da melhor forma possível. Com pequenas estratégias aplicadas em tempo real, é possível transformar essa experiência em algo mais leve, produtivo e menos desgastante.
Na próxima seção, vamos explorar o que fazer depois da reunião para consolidar aprendizados e manter a organização.
Depois da reunião: como se organizar e recuperar o controle
O momento pós-reunião é decisivo para quem tem TDAH. Sem uma estratégia clara, é fácil sair com a sensação de que tudo foi confuso, de que algo importante pode ter passado despercebido ou, pior, de que nada será realmente colocado em prática. É aí que entra a fase de consolidação e organização, que ajuda seu cérebro a sair do modo “alerta” e entrar em um estado mais estruturado e produtivo.
1. Faça um resumo rápido em até 10 minutos
Assim que a reunião terminar, reserve de 5 a 10 minutos para fazer um resumo simples. Não precisa ser bonito ou completo — basta registrar os principais pontos discutidos, as decisões tomadas e as tarefas que você precisa realizar. Esse momento é valioso porque seu cérebro ainda está com as informações “frescas” e é mais fácil consolidá-las na memória de longo prazo.
2. Classifique as ações por prioridade (usar método Kanban ou Eisenhower)
Agora que você já sabe o que precisa ser feito, é hora de organizar por prioridade. Use métodos visuais e objetivos, como:
- Kanban (dividir em colunas: A fazer / Em andamento / Concluído)
- Matriz de Eisenhower (classificar em: urgente e importante / importante, mas não urgente / urgente, mas não importante / não urgente e não importante)
Essas ferramentas ajudam o cérebro com TDAH a visualizar melhor a carga de trabalho, evitando paralisia ou procrastinação.
3. Compartilhe dúvidas ou pontos incompletos por e-mail — sem vergonha!
Se, ao revisar suas anotações, você perceber que algo ficou confuso ou incompleto, não hesite em enviar um e-mail breve e direto para esclarecer. Não é sinal de fraqueza — pelo contrário: demonstra comprometimento e interesse. Um simples “Oi, fiquei com dúvida sobre a etapa X, você pode confirmar?” já resolve a maioria das inseguranças pós-reunião.
4. Crie um modelo de rotina pós-reunião (automatiza e reduz decisões futuras)
Ter um ritual fixo depois das reuniões reduz a carga cognitiva e a necessidade de “reinventar a roda” toda vez. Pode ser algo como:
- Abrir o bloco de notas e escrever 5 tópicos principais.
- Atualizar sua ferramenta de organização com as tarefas.
- Enviar feedbacks ou dúvidas em até 1 hora.
- Fechar com 2 minutos de respiração ou pausa consciente.
Quanto mais automatizada for essa rotina, menos energia você precisará gastar para manter o controle e a organização no longo prazo.
Com pequenos hábitos, o caos vira clareza.
E com clareza, as reuniões deixam de ser uma fonte de ansiedade para se tornarem oportunidades reais de contribuição e crescimento.
Ferramentas e recursos que ajudam
Lidar com reuniões de forma mais tranquila e eficaz não depende só da força de vontade. As ferramentas certas podem funcionar como verdadeiros aliados para quem tem TDAH, ajudando a reduzir a sobrecarga mental, registrar informações com mais segurança e organizar o fluxo de trabalho com mais autonomia.
Aqui estão algumas opções práticas e acessíveis que podem transformar sua experiência em reuniões:
Aplicativos de transcrição ou gravação autorizada
Se você tem dificuldade em acompanhar tudo que é dito ao vivo, apps de transcrição ou gravação são uma excelente alternativa (desde que com o consentimento dos participantes, claro). Eles permitem que você foque no essencial durante a conversa e revise depois com calma.
- Otter.ai: Transcreve reuniões em tempo real e organiza os tópicos automaticamente.
- Tactiq: Extensão que funciona com Google Meet e Zoom, gerando transcrições e resumos automáticos de reuniões online.
Esses apps oferecem versões gratuitas com boas funcionalidades e podem ser um divisor de águas na sua organização pós-reunião.
Templates prontos para anotações rápidas
A estruturação é fundamental para o cérebro com TDAH. Em vez de anotar de forma aleatória, use modelos prontos de anotações que ajudam a organizar os pontos mais importantes, como:
- Objetivo da reunião
- Participantes
- Tópicos principais
- Decisões tomadas
- Próximos passos
Você pode criar seus próprios templates no Notion, Google Docs, Evernote ou até em cadernos físicos com divisórias. Ter um formato padrão reduz o esforço mental e facilita a consulta futura.
Extensões para reuniões online (Google Meet, Zoom)
Reuniões online podem ser grandes aliadas para quem tem TDAH — desde que bem configuradas. Algumas extensões e ferramentas extras tornam a experiência mais funcional:
- Tactiq (novamente aqui): Mostra legendas em tempo real, transcreve e destaca frases importantes.
- Google Keep ou Notion como pop-up: Para anotar sem sair da tela da reunião.
- Ambient Noise ou Noisli: Sons de fundo leves que ajudam a bloquear distrações externas enquanto você participa online.
Esses pequenos ajustes tecnológicos criam um ambiente mais favorável à concentração e à retenção de informações, evitando a sobrecarga sensorial ou a perda de conteúdo.
Lembre-se: você não precisa enfrentar reuniões sozinho nem com as ferramentas erradas. Combinar autoconhecimento, estratégias práticas e recursos digitais pode transformar completamente sua experiência profissional.
Na próxima e última seção, vamos reunir os principais aprendizados do artigo com um convite à ação simples e realista.
Conclusão
Se você chegou até aqui, já sabe: reuniões não precisam ser um pesadelo eterno para quem tem TDAH ou lida com ansiedade no ambiente de trabalho. Com pequenas mudanças — antes, durante e depois da reunião — é possível transformar essa experiência em algo mais leve, produtivo e até satisfatório.
Você não precisa aplicar tudo de uma vez. A dica mais poderosa é começar pequeno.
👉 Na sua próxima reunião, escolha apenas uma estratégia apresentada neste artigo para experimentar. Pode ser a respiração 4-4-4, o uso de um template de anotações ou simplesmente pedir uma recapitulação quando necessário. O importante é dar um primeiro passo.
Com o tempo, esses ajustes se tornam hábitos — e os hábitos criam novas possibilidades de desempenho, autoconfiança e bem-estar.
Agora queremos ouvir de você:
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Você não está sozinho. E você pode, sim, participar de reuniões com mais calma, clareza e controle.